adivinha quem é?

bia abreu
3 min readApr 17, 2024

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É O CONGRESSO QUERENDO DESTRUIR TODAS AS LEIS DE INCENTIVO A CULTURA! brincadeira, sou só eu vindo refletir sobre arte. e contar causos. e devaneiar.

certo dia, eu estava saindo da minha aula no estúdio de dublagem quando fui abordada por uma pessoa que chegou por trás de mim, vendou meus olhos com as suas mãos e perguntou com uma voz macia e serena: “adivinha quem é?”

eu, em completo estado de pânico no meio da rua, perguntei: “quem é?”

e a pessoa respondeu: “sou eu, a mendiga!!!” e caiu na gargalhada. e todos ao redor também cairam na gargalhada. depois de amaciar o seu público, ela perguntou: “pode me ajudar com um dinheirinho?”, claro que nesse momento todo mundo que viu a cena já amava ela (como não amar?) — e claro que ela arranjou um dinheirinho.

se minha realidade fosse outra, talvez essa situação tivesse me traumatizado e criado memórias em lugares problemáticos. mas sendo uma roteirista, filha de pais separados, suburbana, atriz e ex-aspirante a dubladora num país com migalhas de incentivo a cultura, eu já me considero bem cascuda quando o assunto são traumas.

tem dez anos que esse episódio aconteceu na minha vida e recentemente alguns vídeos sobre, provavelmente, essa mesma mendiga, reproduzindo essa mesma situação, começaram a viralizar no TikTok. isso me fez refletir sobre a minha trajetória pessoal nessa última década.

viver de arte não é fácil. no momento em que a arte se tornou um privilégio, virou desafiador nadar contra a corrente do capitalismo, que reafirma diariamente a arte como um luxo e torna cada vez mais incalcinável participar de movimentos culturais que estimulam a criatividade, o lúdico e o desprendimento social do que é certo e errado, bonito ou feio, interessante ou ridículo.

na perspectiva de alguém pouco privilegiada (e ainda assim com muitos privilégios perante a situação social do país!), suburbana e classe média querendo me expressar artisticamente, escolher a arte em meio ao bombardeiro de informações, a falta de grana e todas as doenças mentais que vieram de brinde nesse combo, é sim um ato de resistência. e eu tenho pra mim que venho resistindo há muito tempo.

todo mês que eu escolho pagar a mensalidade do meu curso de teatro, eu estou resistindo. toda vez que eu abro o WriterDuet pra escrever um roteiro de ficção sem saber se um dia ele virá a ser produzido, eu estou resistindo. quando eu luto contra o cansaço do dia a dia, a ansiedade, a auto-cobrança e abro o Medium pra exercitar a minha escrita criativa, eu também estou resistindo. não é mole não, meu povo. o capitalismo quer engolir a gente e as vezes fica difícil resistir.

nos dias em que fica difícil resistir, eu tento pensar que no fim das contas, para mim, só existe essa opção. por que eu não sonhei em ser concursada, gente? sonhos estáveis devem ser mais legais.

falei falei e não cheguei a lugar nenhum, mas chegar a lugar algum jamais foi a intenção desse texto. agora que já fiz a minha resistência do dia, vamos voltar a programação normal antes que o capitalismo brigue comigo por não estar entregando as minhas demandas no prazo. axé pra quem fica.

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bia abreu

escrevo para que não me engasgar com palavras não ditas.