Black Mirror — uma análise crítica sobre a construção midiática da realidade: Analisando ‘White Bear’

bia abreu
4 min readNov 11, 2020

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White Bear é o nome dado ao 2º episódio da 2ª temporada da série Black Mirror. O episódio, escrito pelo criador da série, Charlie Brooker, e dirigido por Carl Tibbetts, estreou no começo de 2013 e traz à debate o voyeurismo diário com a dor alheia.

O mundo atual, prontamente junto com todos os benefícios gerados pela globalização, trouxe também problemas sérios, como por exemplo o desinteresse. Não falo sobre o desinteresse por completo, já que hoje em dia tudo consegue ser transformado em entretenimento. Esse desinteresse não, mas o desinteresse pela ajuda, pelo amparo.

A sociedade convive cotidianamente com inúmeras tragédias, possíveis de acontecer ao lado de qualquer um, mas o povo — ao invés de ajudar, muitas vezes prefere gravar e tornar pública a notícia.

Bazin diz que a profundidade de campo está presente nas filmagens, colocando o espectador numa relação com a imagem mais próxima do que a que ele mantém com a realidade, que é o caso a ser analisado. Segundo Serge Daney, o começo da cinéfila, e, portanto, também da crítica, começa no medo ao cinema.

Carl Tibbets, ao escrever esse episódio, faz uma crítica ao mundo cotidiano. Ele traz à tona temas como desinteresse, alienação, fetichização da dor e voyerismo. Ao assistir esse episódio, pude entender claramente que a vingança é um sentimento completamente inerente ao ser humano.

Victoria, a protagonista do episódio, filmou o assassinato de Jemima, enquanto seu noivo, Ian, a torturava e matava. Os dois, após serem capturados, foram presos. Ian conseguiu cometer suicídio na cadeia e, para que Victoria não pudesse optar pela mesma escapatória covarde, ela foi inserida no programa “Parque da Justiça White Bear”.

Trata-se de um parque de diversões punitivo, onde as atrações principais são criminosos que já cometeram atrocidades e merecem sentir na pele essa dor agora. O nome do programa foi dado em homenagem ao ursinho de pelúcia de Jemima, que serviu como símbolo de resistência durante as buscas pelos assassinos e pelo corpo da menina. O diretor utilizou de uma estrutura que continha três pilares: Caçadores X Espectadores X Vítimas” durante o processo.

Dentro do programa, Victoria tem sua memória apagada diariamente. Ela revive o mesmo dia, dentro do estúdio de gravação, todos os dias enquanto é perseguida, como “vítima”, por atores fantasiados, denominados caçadores, que tentam a matar.

Durante as perseguições, há pessoas por todos os lados a filmando com câmeras de celular e a observando, intitulados espectadores, sem tomar nenhuma precaução ou prestar qualquer ajuda, assim como ela fez com Jemima. O excesso está intimamente vinculado às matrizes históricas e é retratado de forma realista na obra.

A câmera vai mudando de ângulo, enquadrando o espectador para que ele se sinta também parte ativa de todos aqueles acontecimentos, como estratégia para tornar toda a situação mais vívida. Assim como disse Nick Browne: “Tudo o que aparece deve ser exibido com clareza para o olhar do espectador.”

A alienação máxima é uma punição severa para um ser social como o humano. Ao se encontrar exposta, indefesa e sem entender o porque de estar vivendo aquilo tudo, Victoria sente na pele a dor de ser uma vítima e entra em desespero. No final de cada dia, quando toda a plateia ativa já está no auditório e os condutores do programa já explicaram para a protagonista do que se trata aquilo tudo, o criador do programa diz:

“Você foi uma espectadora entusiasmada do sofrimento de Jemima. Você ativamente se dedicou ao sofrimento dela”.

A análise do encontro na relação entre a obra e o espectador se faz presente no desconforto causado ao entrar em contato com um projeto audiovisual que relata de forma tão fria a realidade globalizada e egoísta atual. Apesar de ser um tema de debate constante, pela forma que foi abordado o assunto, o episódio estabelece uma reflexão interna ao final do episódio.

Bibliografia

BAZIN, André. O Cinema — Ensaios — VII A evolução da linguagem cinematográfica

DANEY, Serge. Antes de tudo, claro, o medo

BROWNE, Nick. Análise sobre “No Tempo das Diligências”

FRANÇA, Andréa; LOPES, Denilson. Cinema, globalização e interculturalidade

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bia abreu

escrevo para que não me engasgar com palavras não ditas.